‘Vamos levar adiante nossa missão. Devemos isso a Eduardo e ao povo brasileiro’, diz Marina

Em discurso após a confirmação de sua candidatura à Presidência da República pela Executiva Nacional do PSB, Marina Silva destacou que a comoção nacional provocada pela morte de Eduardo Campos contraria a suposição de que a população brasileira tem repulsa à política e aos políticos. “A despedida a Eduardo foi inequívoca e emocionante demonstração de amor, de respeito a um político”, disse a ex-senadora.

A população chorou por perceber que perdeu uma verdadeira liderança, declarou Marina. “O que se viu não foi apenas o choque pelas circunstâncias dramáticas da morte. Foi o lamento inconsolável e profundo pela perda de um verdadeiro líder, foi o choro da identidade com alguém que não deixava dúvidas, pelas ações e emoções, sobre seus propósitos, sua garra, sua obstinação pelo bem de seu Estado e do Brasil”, afirmou.

Marina lembrou da dor vivida pela família de Eduardo e o exemplo que seus integrantes deram ao Brasil: “O que Renata, Maria Eduarda, João, Pedro, José e o pequeno Miguel deram ao Brasil nos últimos dias foi um testemunho vivo da grandeza deles mesmos e daquele cuja perda todos nós choramos. Para eles, a política e a vida são a mesma coisa e ambas são intensas e íntegras. Não sem razão, no pequeno vídeo em que os filhos homenageiam Eduardo pelo aniversário e pelo Dia dos Pais, Pedro diz: “Ser seu filho é ser sempre um cidadão”.

Declarou que a coligação significa o “atrevimento de propor, num país marcado pela política patrimonialista e destrutiva, uma prática de reconhecimento dos feitos e do valor alheio, de busca da convergência dos melhores, de coragem para fazer reformas continuamente adiadas, de abandono da cultura maléfica do poder pelo poder, substituindo-a pela gestão competente e transparente do Estado, pela noção de servir o Estado e a população e não servir-se dele”.

Ao final, declarou: “Exorto a todos, enfim, que saiamos do trauma da perda de Eduardo dispostos a nos entendermos para levar adiante nossa missão. Devemos isso a ele e ao povo brasileiro: ‘Não vamos desistir do Brasil!’”.

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Leia abaixo a íntegra do discurso de Marina Silva.

“Companheiros, parceiros, amigos, jornalistas que estão aqui fazendo o seu trabalho, companheiros de luta, de luto e de paz. Em primeiro lugar, eu quero agradecer a Deus por estar nos ajudando a fazer essa travessia difícil. A perda daquele que havíamos escolhido para nos liderar nessa difícil tarefa e, ao mesmo tempo, apaixonante tarefa, como ele encarava de mudar o Brasil. Mudar o Brasil sem a visão de que se começa o novo do novo. Mudar o Brasil preservando as coisas boas que já foram produzidas, corrigindo os equívocos praticados e encarando os desafios deste início de século.

Obrigada a todos vocês que estão aqui neste momento chancelando essa decisão. Eu quero cumprimentar a todos os dirigentes do Partido Socialista Brasileiro na pessoa do seu presidente, que conduziu tão adequadamente esse processo, doutor Roberto Amaral. Quero cumprimentar todos os parlamentares na pessoa daquele que foi escolhido para ocupar o lugar que eu ocupava, ao lado de Eduardo Campos, com tanta determinação e satisfação de tê-lo como meu candidato a presidente. Muito obrigada deputado Beto Albuquerque e a todos os membros do PSB por sua indicação.

Quero cumprimentar também a todos os nossos governadores no enlutado governador de Pernambuco, João Lyra. Cumprimentar a todos os prefeitos na pessoa do Geraldo [Julio, prefeito de Recife], esse jovem gestor que conta com meu respeito e admiração por tudo o que ouvi dentro daquele avião – [Eduardo Campos] falava de todo mundo, ninguém deve ficar com ciúmes, mas ali a convivência fazia ele citar o nome do Geraldo, talvez até por ser uma liderança nova, que surpreendeu a ele e a todos que estão sob a sua governança.

Quero cumprimentar as mulheres corajosas do PSB na figura na matriarca da democracia, nossa eterna prefeita Luiza Erundina, da Kátia Born e da Keiko Ota, que foram me recepcionar tão amorosamente para chegar até aqui neste momento de decisão. Cumprimento a todos os parceiros da direção mais uma vez, dizendo a todos vocês que aqui há o sentido do peso dessa responsabilidade. Há o compromisso com as responsabilidades já assumidas, construídas ombro a ombro, noite e madrugada adentro, com a ajuda de todos vocês, mas com a liderança de Eduardo Campos.

Recebi de uma forma muito afetuosa uma carta que eu chamo de carta inventário, onde o presidente Roberto Amaral me diz qual é o significado da luta, da trajetória e da história deste partido e que agora nós, juntos, temos a responsabilidade de ajudá-lo a se erguer após a perda irreparável que sofreu. Recebo essa carta como um pedido de acolhimento, muito parecido com aquele que fiz a Eduardo Campos quando no dia 4 de outubro, de forma injusta, foi negado o registro do partido que eu, juntamente com outros companheiros, tentava criar, a Rede Sustentabilidade.

Aqueles que me acolheram para que pudéssemos continuar defendendo o que suscitamos em 2010, que gerou um resultado de quase 20 milhões de votos, agora paradoxalmente buscam também o meu acolhimento. Tenho certeza que vocês sabem que o tem da mesma forma que nestes dez meses eu tive e teremos daqui para a frente. Enquanto nossos propósitos de um Brasil mais justo, de um Brasil economicamente próspero, de um Brasil politicamente democrático, de um Brasil socialmente justo, de um Brasil culturalmente diverso, de um Brasil ambientalmente sustentável. Esse é o nosso compromisso, aqui está o nosso acolhimento.

Vocês lembram de como foi o nosso encontro? Eu dizendo a Eduardo uma modesta poesia, vou dizer apenas uma quadrinha: Somos arco, somos flecha, somos o todo e metades / Somos as partes que se mesclam nos propósitos e nas vontades / Buscai o melhor de mim e terás o melhor de mim / Darei o melhor de mim onde precisar o mundo.

Por incrível que pareça, essa mesclagem foi colocada desde o momento do nosso encontro e é, com esse espírito, que eu retorno, após a tragédia que nenhum de nós estava preparado para ela, principalmente o povo brasileiro. Eu não costumo [fazer] o que vou fazer agora. Eu não costumo fazer discursos lidos. Todo mundo sabe que eu tenho, em função da contaminação por mercúrio, até uma certa dificuldade de fazer isso, mas eu vou fazê-lo, vou fazer no esforço para que fique registrado como o doutor Amaral registrou nesta carta que depois, de comum acordo, podemos divulgar. Eu vou ler para que fique registrado esse momento.

O velório e o sepultamento de Eduardo em Recife mostraram algo surpreendente, que contraria o senso comum formado na sociedade brasileira ultimamente, de que a população tem repulsa à política e aos políticos. A despedida a Eduardo foi inequívoca e emocionante demonstração de amor, de respeito a um político.

O que se viu não foi apenas o choque pelas circunstâncias dramáticas da morte. Foi o lamento inconsolável e profundo pela perda de um verdadeiro líder, foi o choro da identidade com alguém que não deixava dúvidas, pelas ações e emoções, sobre seus propósitos, sua garra, sua obstinação pelo bem de seu Estado e do Brasil, tão lindamente expressos em sua mensagem final: “Não vamos desistir do Brasil”.

Eduardo se revelou em sua morte. Os brasileiros passaram a conhecê-lo. É engraçado, que tudo o que Eduardo fazia, era um esforço tremendo para ser conhecido. E mesmo quando diziam que as pesquisas não estavam dando o resultado que nós esperávamos ele dizia: “É só uma questão de paciência. Quando a gente tiver o nosso tempinho na televisão, quando os meios de comunicação começarem a nos cobrir com alguma equidade, a gente vai mostrar para o Brasil as propostas que nós temos e isso vai fazer a diferença”.

E eu dizia para ele: “Eduardo, na hora que você fala, você convence. Quem chega perto e te ouve sai convencido. É só uma questão de tempo”. Ele não teve tempo para poder falar. Precocemente foi ceifada sua vida. O Brasil passou a conhecer Eduardo Campos. E o conhecendo, admiraram o quanto foi autêntico no exercício de sua vida pública e o quanto o político espelhava o homem íntegro, carinhoso, aberto, alegre, que gostava de gente e se realizava em melhorar a vida das pessoas. O Eduardo candidato, a quem cada um de nós passou a dar atenção, é o mesmo que, juntamente com Renata, criou uma família que enterneceu a todos com o seu afeto, orgulho, despojamento e respeito.

O que Renata, Maria Eduarda, João, Pedro, José e o pequeno Miguel deram ao Brasil nos últimos dias foi um testemunho vivo da grandeza deles mesmos e daquele cuja perda todos nós choramos. Para eles, a política e a vida são a mesma coisa, e ambas são intensas e íntegras. Não sem razão, no pequeno vídeo em que os filhos homenageiam Eduardo pelo aniversário e pelo Dia dos Pais, Pedro diz: “Ser seu filho é ser sempre um cidadão”.

A despedida de Eduardo foi a afirmação da dignidade da política e é esta a bandeira que partilhamos e que deve estar presente em todos os nossos atos, palavras, acordos, encontros e desencontros. É a trilha que nos fará chegar às melhores soluções, acima dos interesses específicos de cada um, amalgamando-os numa proposta avançada de mudança para o país, afinada com os sonhos do povo brasileiro. Nosso destino comum está traçado no legado de Eduardo, um legado tão grande que talvez ele mesmo não se desse conta dessa dimensão. Agora, da pior maneira possível, por meio da perda, nós a conhecemos e não podemos, não temos o direito de amesquinhá-la.

Nossa palavra de ordem, neste momento, é crescer. Crescer em maturidade política, crescer em disposição para a mudança que já está sinalizada em nosso programa, crescer na sensibilidade e na generosidade para lidarmos com nossas diferenças, crescer na unidade, crescer na escuta de nosso povo e na disposição para servi-lo. Estamos envolvidos na tarefa histórica de ressintonizar a sociedade brasileira com seus políticos e para isso Eduardo nos deu a régua e o compasso. Que Deus nos ajude a estar à altura dele e deste momento.

Vi com muita emoção o primeiro programa de TV da coligação que iríamos levar ao ar e me tocou profundamente a imagem do abraço que nos demos, Eduardo e eu. Vocês lembram daquele abraço? Entendi, com os olhos da tristeza, da precoce saudade e da esperança, que ali estava registrada não apenas a composição política, o pacto partidário, mas o encontro das vidas, das histórias, e isso é muito mais porque foi nas profundezas dessa trajetória humana, cuja inteira compreensão nos escapa, que encontramos nosso código comum. Quando nos encontramos em sua sala certa vez, ficamos vendo as nossas trajetórias e começamos a brincar. Ele, neto de Miguel Arraes, o seu legado; e eu a amiga, quase mascote à época porque o conheci quando eu tinha 17 anos, de Chico Mendes, tentando também de alguma forma, naquilo que me era possível, levar pelo menos um pedacinho do seu legado. E aí compreendemos que nossa união não era para dividir um palanque, mas para compartilhar o legado. Não era para distribuir os pedaços da herança, porque quando se trata o legado como herança ele vira quase que um despojo, e cada um quer pegar o seu pedaço. Mas quando a gente trata como legado, quanto mais a gente distribui, mais ele cresce. Ainda bem que Eduardo distribuiu o seu a todos os brasileiros, antes que particularmente nos apropriássemos dele.

Nosso improvável código de origens familiares, sociais e regionais tão diversas, e que de tão improvável, emergiu forte, sincero, leal, justo, solidário.

O encontro com Eduardo durou muito pouco, mas transformou-se numa referência pessoal e política, materializada principalmente na relação com a Rede, com a Renata e com seus filhos e na aproximação com o Partido Socialista Brasileiro, que me acolheu e que já faz parte de minha história, assim como faço parte de sua história, juntamente com todos os meus companheiros.

Não importa o que poderá ocorrer no imponderável futuro. Somos irmãos de uma fraternidade criada em cima da ousadia de sair do roteiro da política tradicional para recriar, com novos elementos e novos métodos, o caminho de nossa luta pela justiça social e pelo desenvolvimento com sustentabilidade como um único objetivo. Tivemos o atrevimento de propor, num país marcado pela política patrimonialista e destrutiva, uma prática de reconhecimento dos feitos e do valor alheio, de busca da convergência dos melhores, de coragem para fazer reformas continuamente adiadas, de abandono da cultura maléfica do poder pelo poder, substituindo-a pela gestão competente e transparente do Estado, pela noção de servir o Estado e a população e não servir-se dele. Para mim, tão importante quanto a formação e o registro da Rede Sustentabilidade é o crescimento, a estabilidade do PSB e a superação dessa fase tão crítica em que perde a sua maior liderança. Estamos juntos e nesse sentido sinto-me parte solidária e interessada em que o PSB leve adiante os planos de futuro partidário que tinha sob a inspiração de Eduardo.

Sem Eduardo, temos hoje o que sempre nos uniu: a consciência clara de onde queremos chegar juntos e a articulação política feita por ele para dar sustentação ao nosso programa comum. O programa é, em si mesmo, o pacto selado, o acordo maior que une PSB, Rede Sustentabilidade, PPS, PPL, PHS, PRP e PSL. Companheiros que com certeza estavam aguardando esse momento que o PSB agora nos anuncia. Para ele trouxemos o acúmulo de nossa experiência passada, de nossas diretrizes, de nossos projetos partidários, de nossos compromissos com o povo brasileiro, tudo submetido ao crivo da competência técnica, da inovação metodológica e política e do alinhamento ao que de melhor se pensa e se faz no mundo em termos de avanços democráticos.

Venho particularmente de uma campanha presidencial em 2010 que surpreendeu o país pelo apoio obtido junto à sociedade brasileira, que, de forma relevante, externou sua insatisfação com o esgotamento da política tradicional e a sua receptividade, reiterada em junho de 2013, a uma nova forma de ver o processo de desenvolvimento e a incorporação de novos temas e novas propostas para o futuro do país. Essa experiência de mobilização social foi fundamental para que pudéssemos unir os ideais da justiça social, da luta pela democracia com a ideia de desenvolvimento sustentável, que corajosamente Eduardo já havia integrado ao seu governo quando convidou aquele que concorreu contra ele, representando a bandeira da sustentabilidade, e realizou o programa que apresentou. A base de sustentação para a realização do nosso programa é o que nós vamos levar adiante. Tudo aquilo que fizemos juntos é o que faremos daqui para frente.

Eu quero agradecer a todos vocês, que, neste momento, juntamente comigo e Beto, com Beto e eu. É difícil… A gente falava “eu vou de Eduardo e Marina”. De repente, num determinado momento… Agora Beto é a sociedade brasileira e nós porque só ela pode dar conta do tamanho que ele se revelou. Exorto a todos, enfim, que saiamos do trauma da perda de Eduardo dispostos a nos entendermos para levarmos adiante nossa missão. Devemos isso a ele e ao povo brasileiro. Não vamos desistir do Brasil.”

Fonte: Marina Silva

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